O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu prazo de 30 dias para que governos federal e estaduais publiquem normas e orientações sobre a prestação de contas das universidades públicas, no uso de emendas parlamentares federais pelas instituições de ensino superior e suas respectivas fundações de apoio.
A decisão foi divulgada no último domingo (12), nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854, em resposta às petições apresentadas por fundações de apoio, após o ministro ter suspendido o repasse de recursos para 13 organizações não governamentais (ONGs) e entidades do terceiro setor, as quais não adotaram mecanismos adequados de transparência ou não divulgaram informações sobre a aplicação de verbas decorrentes das emendas parlamentares. A ADPF 854 analisa a falta de transparência da destinação de recursos públicos do Orçamento federal, liberados pelo Congresso Nacional, através de emendas parlamentares.
A suspensão dos repasses foi determinada por Dino no dia 3 de janeiro e levou em consideração o relatório técnico da Controladoria-Geral da União (CGU), que apresentou os resultados de uma auditoria sobre as 33 entidades sem fins lucrativos, as quais receberam os maiores valores de emendas parlamentares entre fevereiro e dezembro de 2024.
Na decisão, o ministro do STF apontou que muitas dessas entidades são fundações de apoio a universidades que, ao contratarem ONGs sem critérios claros, têm sido usadas para repassar valores de emendas parlamentares. Assim, é imperativo adotar métodos de controle dos repasses.
Para Emerson Duarte, do Grupo de Trabalho de Verbas e Fundações do ANDES-SN, a decisão do ministro é importante, levando em consideração o uso indiscriminado das emendas parlamentares e como passaram a se configurar no âmbito do uso dos recursos públicos do orçamento da União, e o modelo pelo qual esses recursos passam a ser utilizados, principalmente pela lógica da ausência de transparência em várias situações. “A ação realizada agora pelo ministro Flávio Dino é extremamente positiva do ponto de vista de realizar um grande alerta para a sociedade da forma como esse recurso público vem sendo manuseado, manipulado pelos parlamentares”, afirma o diretor do ANDES-SN.
Conforme Duarte, desde 2015, a partir de quando se tem dados das emendas parlamentares, os montantes repassados por parlamentares cresceram de modo significativo, principalmente a partir de 2020. Segundo o docente, a soma total desses recursos via emenda parlamentares, de 2015 a 2024, chega à ordem de R$ 125 bilhões. Ele critica esse modelo de canalização do orçamento público, com poucos mecanismos de controle e comprovação de gastos das despesas.
“Ao fim e ao cabo, isso constitui uma forma distorcida de uma grande disputa pelo fundo público. O que se defende, na verdade, é que esses recursos públicos sejam executados pelo próprio Executivo. É uma certa aberração o legislativo cada vez mais ter fonte de recursos para realizar diversas ações, quaisquer que sejam, por meio das emendas, o que acaba se configurando, como essas últimas eleições demonstraram, em campanha eleitoral permanente” aponta.
Emerson ressalta ainda que o uso de recursos financeiros parlamentares no orçamento das universidades públicas coloca em xeque a autonomia universitária, no patamar da gestão financeira e patrimonial. “Isso liga um grande sinal de alerta para nós, na perspectiva de que cada vez mais o Estado se desresponsabiliza por meio dos cortes, da redução dos orçamentos das instituições públicas, e eu estou falando aqui tanto da União quanto dos estados. A gente tem observado um grande arrocho no financiamento das universidades públicas no Brasil, considerando as federais e os sistemas estaduais, e forçando consequentemente os gestores a buscar alternativas, a realizar acordos, convênios, parcerias indiscriminadas com parlamentares, organizações privadas e ou do terceiro setor”, denuncia.
Segundo o coordenador do GT Verbas, muitas dessas organizações não governamentais são o veio de condução, o elo mediador do processo de repasse das emendas parlamentares e parte desses recursos passam pelas universidades públicas. Emerson lembra que nos últimos anos, quando se potencializaram os cortes orçamentários nas universidades federais, vários reitores e reitoras alegaram que a saída encontrada em vários momentos para garantir a execução, o pagamento de despesas ou a finalização de notas de empenho das instituições era lançar mão dos recursos de emendas parlamentares.
“Bater de porta em porta nos gabinetes, em busca de emendas parlamentares para garantir o pagamento de determinados programas e ações nas universidades, principalmente aqueles vinculados às despesas discricionárias relacionadas à manutenção do cotidiano das instituições, bem como aquelas relacionadas às despesas de investimentos, construção de prédios, obras de reforma e aquisição de materiais permanentes, como centrais de ar-condicionado, computadores, mesas e cadeiras, entre outros, tornou-se uma alternativa.”
O diretor do ANDES-SN reforça que esse mecanismo amplia o grau de dependência e aprofunda cada vez mais a fragilidade da autonomia universitária. “Nessa perspectiva, há um posicionamento muito forte de ser contrário à existência delas [das emendas parlamentares] para que, efetivamente, os recursos possam ser utilizados no desenvolvimento das políticas sociais, como todos dentre elas a Educação, por meio dos órgãos de estado do poder Executivo e não, cada vez mais, ampliar a canalização de recursos para o poder Legislativo, que já é extremamente beneficiado com altos salários, assim como com elevadas verbas de gabinete para realizarem ações e, agora, ainda agraciados por meio das emendas parlamentares para desenvolver permanentemente uma campanha eleitoral ao longo dos anos de realização dos mandatos”, conclui.
Órgãos federais e governos estaduais
O prazo de 30 dias é direcionado ao Ministério da Educação (MEC), à CGU e à Advocacia-Geral da União (AGU), que devem adotar providências no âmbito de suas competências administrativas. Por simetria, os estados e o Distrito Federal também deverão orientar a prestação de contas das emendas parlamentares federais pelas instituições de ensino estaduais e suas fundações de apoio.
Com informações do STF