Docentes das universidades estaduais do Ceará têm denunciado a tentativa do governo estadual em realizar concurso público sem dedicação exclusiva (DE). Segundo representantes das seções sindicais das universidades cearenses, o chamado "maior concurso público da história das universidades", anunciado pelo governo do Ceará, é uma grande ameaça ao tripé ensino, pesquisa e extensão, princípio garantido na Constituição Federal.
Em fevereiro deste ano, o então governador Camilo Santana (PT), afastado no dia 1º de abril, publicou o decreto nº 34.537 instituindo a Política de Expansão e Interiorização do Ensino Superior no Estado do Ceará, no âmbito das universidades estaduais. O objetivo, de acordo com o documento, é o de ampliar e facilitar o acesso ao ensino público superior à população residente na capital e nas demais regiões do interior cearense. Além da criação de novos campi, o decreto garante a contratação de 693 vagas para docentes.
Desde então, as e os docentes têm realizado diversas manifestações contra a realização de concurso sem DE nas solenidades de inauguração de novos campi das universidades e outras obras, em frente ao Palácio do governo. Além disso, a categoria tem solicitado audiências com o governo e participado de reuniões com as Reitorias e os secretários de Planejamento e de Ciência e Tecnologia do estado. Segundo as e os docentes, as seções sindicais não foram chamadas para a Mesa Setorial de Negociação, estabelecida por lei, nem avisadas das características do concurso público.
Nesta semana uma série de manifestações, iniciada na segunda (25), está sendo realizadas com atos, reuniões, rodas de conversa e debates nos centros e faculdades das universidades na capital e no interior. Na quarta-feira (27), chamada de "Dia D em Defesa das Universidades Estaduais", um ato central foi realizado pela manhã no campus do Itaperi da Universidade Estadual do Ceará (Uece), em Fortaleza (CE). O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Fortaleza esteve presente com a categoria, paralisando a obra do Hospital da Uece, onde recentemente um operário foi vítima fatam de acidente de trabalho. Com déficit de docentes, as e os manifestantes protestam ainda contra a infraestrutura precária nas universidades, baixo valor investido por matrícula e fragilização da carreira docente. Além da perda salarial enquanto servidoras e servidores públicos, professoras e professores também convivem com o congelamento dos processos de desenvolvimento da carreira previstos por lei estadual.
De acordo com Kaoli Cavalcante, presidente da Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual Vale do Acaraú (Sindiuva SSind.), a construção de campi descentralizados na UVA foi feita de forma totalmente arbitrária, sem consulta prévia à comunidade acadêmica. Ele conta que mesmo as vagas destinadas ao concurso foram fruto da luta docente nas greves de 2015 e 2016. “Trata-se de uma iniciativa eleitoreira, que tende a precarizar ainda mais as unidades acadêmicas já estabelecidas. Para garantir vagas para os novos campi, o número de vagas indicados para a sede da UVA foram reduzidos a um número muito menor que a nossa carência”, disse.
Kaoli Cavalcante relembrou ainda que as vagas foram um compromisso firmado por Camilo Santana com os sindicatos das três universidades estaduais, fruto de muita luta docente, em 2016. “Compromisso que ele não cumpriu totalmente, deixando as universidades estaduais com seu quadro defasado”, afirmou. O presidente da Sindiuva SSind. contou ainda que a Universidade Estadual Vale do Acaraú precisa de novos docentes em, praticamente, todos os cursos. Ele explicou que existe docentes substitutos na universidade, porém o quadro atual não supre as demandas de ensino, pesquisa e extensão da UVA. “É importante destacar que a entrada de novos professores não deve acontecer somente para resolver demandas urgentes”, disse.
“A sociedade precisa saber que esse concurso é, na verdade, um grande golpe na autonomia universitária e na qualidade de ensino, pesquisa e extensão que essas três universidades desenvolvem a trancos e barrancos e, por isso, são tão respeitadas pelo povo cearense”, denunciou.
Remanejamento
Já na Universidade Estadual do Ceará (Uece), além do concurso público sem Dedicação Exclusiva, as e os docentes foram surpreendidos, na última quarta-feira (20), pela aprovação às pressas na Assembleia Legislativa do Ceará da Lei nº 18.034/2022, que dispõe sobre o remanejamento de cargos na carreira de professor do Grupo Ocupacional Magistério Superior (MAS) no quadro da Fundação Universidade Estadual do Ceará (Funece). A lei estabelece a reorganização do número de cargos para professoras e professores entre as categorias auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular.
Conforme a mensagem assinada pela governadora em exercício Izolda Cela (PDT), com a Lei "[...] será possível à Universidade realizar concurso público destinado ao provimento de 365 (trezentos e sessenta e cinco) cargos de professor de ensino superior, suprindo, além de carências de pessoal, demandas que possibilitarão implementar a Política Estadual de Expansão e Interiorização do Ensino Superior no Estado, prevista no Decreto Estadual nº 34.537/2022”.
A Seção Sindical dos Docentes da Universidade Estadual do Ceará (Sinduece SSind.) denunciou a nova lei que não cria novos cargo e aprofunda a defasagem do quadro de 1.133 docentes que se mantém desde 2013. A nova lei, seguindo a entidade, retirou ainda vagas para docentes em maior grau de desenvolvimento na carreira e apostou na Classe de Assistente, impossibilitando que mais pessoas ascendam.
Para Virgínia Assunção, presidenta da Sinduece SSind., a promoção de um concurso público para as universidades sem a Dedicação Exclusiva precariza a carreira docente. “Na prática é o esvaziamento do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos [PCCV], conquista histórica das três universidades estaduais do Ceará fruto de muita luta na greve de 2013", disse.
Segundo Virgínia, não se pode chamar de expansão da universidade a realização de concurso nestas condições. "Não ter dedicação exclusiva é precarizar a universidade pública, é fragilizar a pós-graduação. É relegar ao impossível a pesquisa. É transformar a extensão em voluntariado. É empurrar docentes à complementação orçamentária face do achatamento salarial em que padece o funcionalismo público", explicou.
Em declaração recente, em apoio à mobilização docente, Milton Pinheiro, presidente em exercício do ANDES-SN, afirmou que somente o regime de trabalho de Dedica Exclusiva pode contribuir para o desenvolvimento acadêmico que as universidades do estado do Ceará precisam. “A governadora em exercício precisa atentar para essa circunstância e atender essa demanda das universidades porque ela vai contribuir para o desenvolvimento do estado do Ceará e daquelas demandas que a população tanto almeja”, disse. Uma moção em apoio aos docentes das universidades do Ceará foi aprovada no 40º Congresso do ANDES-SN.
Com informações da Sinduece SSind.