O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), afirmou que manterá para esta terça-feira (9) a votação em segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição 23/21, a chama PEC do Precatório. Em entrevista à Agência Estado, Lira disse que a margem de apoio à proposta deve aumentar na segunda votação. Na madrugada de quinta passada (4), o texto-base foi aprovado com 312 votos entre 456 presentes, apenas 4 a mais que o necessário para a aprovação.
Para conseguir aprovar a PEC 23 em primeiro turno, Lira e a base governista fizeram várias manobras, chantagens e distribuição de verbas. O presidente da Casa, por exemplo, ignorou o regimento e autorizou a votação remota por parlamentares que estavam fora do país. Houve ainda promessa de ampliar os recursos de emendas parlamentares para quem votasse a favor da medida. Os votos favoráveis de deputados do PDT e do PSB à medida causaram tensões nos partidos, que se colocam como oposição ao governo.
Se aprovada em segundo turno na Câmara, a PEC segue para votação no Senado, também em duas sessões. Para ser aprovada, precisará de pelo menos 49 votos favoráveis em cada turno.
PEC eleitoreira
A aprovação da PEC tornou-se prioridade do governo Bolsonaro, pois permite, entre outras mudanças, abrir espaço no Orçamento para financiar o Auxílio Brasil, programa criado pelo governo em substituição ao programa Bolsa Família, extinto por Bolsonaro no último mês. A medida é uma explícita tentativa de garantir recursos em ano eleitoral.
O valor de R$ 400 de auxílio, previsto no novo programa, será temporário, com validade apenas em 2022, ano de eleição presidencial. A partir de 2023, os valores voltam aos patamares pagos pelo Bolsa Família, em média R$ 190 por mês para cada família beneficiada.
Segundo cálculos do próprio governo, a PEC permitiria ao governo gastar R$ 91 bilhões adicionais em 2022. O recurso iria para o novo programa, e também para as chamadas “emendas de relator”, verbas que o relator do Orçamento tem poder para distribuir aos parlamentares conforme achar apropriado, o que ficou conhecido como “Orçamento Paralelo”.
Calote e desvio de dinheiro público
A PEC 23 estabelece o parcelamento dos chamados precatórios, que são dívidas da União que já tiveram o pagamento determinado por decisões da Justiça e que não cabem mais recurso, portanto, precisam ser pagas. Na prática, o texto prevê um calote em dívidas do governo.
Mas, além de adiar o pagamento dos precatórios, o texto também muda o cálculo do Teto de Gastos e inclui um mecanismo fraudulento, a chamada “securitização de créditos públicos”. O limite das despesas com precatórios valerá até o fim do regime de teto de gastos (2036).
Parcelamento em 10 anos
A PEC estabelece, ainda, um teto para pagamento dos precatórios e parcelamento dos valores. Para calcular o novo limite de precatórios a pagar em cada ano deverá ser aplicado o IPCA acumulado do ano anterior. Deste valor serão descontadas as requisições de pequeno valor - até 60 salários mínimos, no caso da União. Ou seja, dívidas de até R$ 66 mil serão pagas à vista. Acima desse montante, serão parceladas em até 10 anos, com alteração no cálculo de juros.
Os precatórios continuam a ser lançados por ordem de apresentação pela Justiça, e aqueles que não forem pagos em razão do limite terão prioridade nos anos seguintes. O credor ou credora de precatório não contemplado no orçamento poderá optar pelo recebimento em parcela única até o fim do ano seguinte se aceitar desconto de 40%, através de acordo em juízos de conciliação.
Dentre aqueles e aquelas com direito a precatórios, estão incluídos trabalhadores e trabalhadores que moveram ações contra a União como revisões de aposentadorias e de salários de servidores, e também as dívidas da União com estados, que demoraram anos para serem julgadas.
Esse calote irá prejudicar, por exemplo, professores e professoras da rede pública de estados e municípios, em especial do Norte e Nordeste do país. Isso porque cerca de R$ 16 bilhões são referentes a dívidas que a União tem com estados como Bahia, Ceará, Pernambuco e Amazonas, em razão de um erro do governo no repasse de recursos do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que foi substituído pelo Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb).
Pela legislação, o governo federal deveria fazer uma complementação ao salário de docentes da rede pública por meio do Fundef. Alguns estados e municípios processaram a União alegando que o cálculo usado para fazer os repasses era incorreto, ocasionando prejuízos. Os casos foram levados ao Supremo Tribunal Federal (STF), que vêm dando ganho de causa contra a União.
Era um dos pontos que sofria resistência nos partidos, pois implicaria prejuízos aos professores. Após negociações, foi estabelecido que os precatórios relativos ao antigo Fundef deverão ser pagos com prioridade em três anos: 40% no primeiro ano e 30% em cada um dos dois anos seguintes. Entretanto, apesar de alteração em relação ao texto do relator, segue havendo perdas aos professores.
Mais fraude através da Dívida Pública
Outro ponto que se destaca na PEC 23 é um “contrabando” incluído no texto, durante a tramitação na Câmara, que instituiu a “securitização de créditos públicos”, conforme denuncia a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).
Na prática, esse mecanismo vincula impostos pagos pela população a um esquema fraudulento de desvio de dinheiro público. A ACD vem denunciando há tempos esse golpe, já praticado, de forma ilegal, por estados como São Paulo, Minas Gerais e Piauí.
De forma resumida, a securitização é a venda do fluxo da arrecadação tributária a um altíssimo custo de remuneração. O Estado assume todo o risco e, ainda por cima, oferece as garantias mais robustas que podem existir: entrega, ao comprador dos recebíveis, o fluxo da arrecadação tributária, isto é, o dinheiro dos impostos que pagamos, esclarece em artigo a coordenadora da ACD, Maria Lúcia Fattorelli.
“Trata-se de esquema altamente fraudulento e inconstitucional, pois vincula os impostos arrecadados do povo ao pagamento das debêntures emitidas, por fora dos controles orçamentários”, afirma Fattorelli.
Segundo a coordenadora a ACD, o esquema compromete o fluxo de arrecadação de estados e municípios de forma definitiva, o que irá trazer graves consequências para a população e serviços públicos.
Suspensão do Orçamento “Paralelo”
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão integral e imediata da execução dos recursos oriundos das chamadas “emendas do relator” relativas ao orçamento deste ano, até que seja julgado o mérito das ações que questionam a prática no Congresso Nacional. A relatora determinou, ainda, que sejam tornados públicos os documentos que embasaram a distribuição de recursos provenientes dessas emendas (identificadas pela rubrica RP 9) nos orçamentos de 2020 e deste ano.
A liminar também estabelece que sejam adotadas medidas para que todas as demandas de parlamentares voltadas à distribuição de emendas do relator-geral do orçamento, independentemente da modalidade de aplicação, sejam registradas em plataforma eletrônica centralizada, mantida pelo órgão central do Sistema de Planejamento e Orçamento Federal, em conformidade com os princípios constitucionais da publicidade e da transparência.
A decisão foi tomada conjuntamente em três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizadas no Supremo pelo Cidadania (ADPF 850), pelo Partido Socialista Brasileiro/PSB (ADPF 851) e pelo Partido Socialismo e Liberdade/PSOL (ADPF 854). A liminar será submetida a referendo do Plenário em sessão virtual extraordinária com início à 0h da terça-feira (9) e término às 23h59 da quarta (10). A sessão foi marcada pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, a pedido da relatora.
Segundo alegam os partidos, existe um “esquema montado pelo governo federal” para aumentar sua base política de apoio no Congresso Nacional envolvendo a atuação combinada entre o relator-geral do orçamento e a chefia do Poder Executivo da União.
Aumento expressivo
Na decisão, Rosa Weber observou que o Tribunal de Contas da União (TCU), ao julgar as contas do presidente da República referentes a 2020, verificou aumento expressivo na quantidade de emendas apresentadas pelo relator do orçamento (523%) e no valor das dotações consignadas (379%) sem que fossem observados quaisquer parâmetros de equidade ou eficiência na eleição dos órgãos e entidades beneficiários dos recursos alocados. Constatou, ainda, a inexistência de critérios objetivos, orientados pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência para a destinação dos recursos, além do comprometimento do regime de transparência, pela ausência de instrumentos de prestação de contas (accountability) sobre as emendas do relator-geral.
Descaso
Para a ministra, os dados apontados pelo TCU revelam o descaso sistemático do Congresso Nacional e dos órgãos centrais do Sistema de Orçamento e Administração Financeira do Governo Federal com os princípios orientadores da atuação da administração pública, com as diretrizes da governança, do controle interno e da transparência das ações governamentais e com a participação social ativa na promoção da eficiência da gestão pública e do combate à corrupção.
“Causa perplexidade a descoberta de que parcela significativa do orçamento da União Federal esteja sendo ofertada a grupo de parlamentares, mediante distribuição arbitrária entabulada entre coalizões políticas”, afirmou a ministra.
Para a relatora, é incompatível com a forma republicana e o regime democrático a validação de práticas institucionais por órgãos e entidades públicas que promovam o segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas, à efetuação de despesas e à destinação de recursos financeiros, “com evidente prejuízo do acesso da população em geral e das entidades de controle social aos meios e instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da gestão financeira do Estado”.
* Com informações da CSP-Conlutas, Agência Câmara de Notícias e STF